Platão,o Governo e a Música do Povo. Por Eric Herrero
- Turismo News
- 10 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de abr.
Roteiro das Artes .
O que a filosofia antiga pode nos ensinar sobre políticas públicas para a cultura
Em tempos de debates sobre políticas públicas para a cultura, vale voltar o olhar para uma figura surpreendentemente atual: Platão, filósofo grego do século IV a.C., que já intuía algo essencial — a música não é apenas arte: é instrumento de formação moral e política.
Em sua obra A República, Platão propõe que o Estado tenha responsabilidade sobre o tipo de música que circula entre o povo. Sua preocupação não era com o gosto musical, mas com o efeito que diferentes estilos e ritmos podem ter sobre o comportamento e os valores das pessoas. Para ele, havia músicas que estimulavam a coragem, a disciplina, a harmonia interior — enquanto outras poderiam alimentar a indisciplina, o excesso de emoção ou a decadência moral. Por isso, o filósofo defendia que a arte sonora fosse tratada com seriedade pelos governantes, como parte essencial da formação do cidadão.
Mais do que censura, essa ideia reflete uma visão profunda da arte como parte do projeto civilizatório. Platão via a música como uma linguagem da alma, que penetra mais fundo do que os discursos — e, por isso mesmo, deveria ser tratada com responsabilidade por governantes e educadores.
O filósofo não estava sozinho. Seu discípulo Aristóteles, embora mais flexível, também defendia o valor formativo da música. Em Política e Poética, ele amplia a compreensão da arte para além da educação moral, reconhecendo também seu poder de catarse — ou seja, de purificação emocional. Para Aristóteles, a música serve para formar, sim, mas também para equilibrar, consolar e alegrar. Ela é parte da vida plena.
Ambos, portanto, concordam num ponto essencial: a música transforma.
Molde o ouvido e moldará o coração. Direcione o repertório e conduzirá os valores de uma geração. Ofereça beleza e elevará a alma.
O que muda é o caminho. Platão quer regular para proteger. Aristóteles quer integrar para expandir. Ambos pensam com profundidade sobre algo que raramente ganha lugar central nas políticas públicas: a cultura como política de Estado, não como apêndice.
Essa reflexão ressoa fortemente no Brasil de hoje. Em cada programa de musicalização em escola pública, em cada orquestra social que oferece dignidade nas periferias, em cada política cultural que decide quem pode (ou não) criar, apresentar, ensinar — lá está, presente e pulsante, a pergunta de Platão:
que tipo de música o governo oferece ao seu povo?
Reconheço em Platão um pensamento poderoso e visionário: ele entendeu, séculos antes de qualquer estudo moderno, que a música molda o cidadão — e, portanto, deve ser levada a sério como instrumento de formação ética.
Mas é em Aristóteles que encontro uma afinidade mais profunda: a crença de que a arte educa, sim, mas também consola, alegra, reconcilia. Que o prazer não é inimigo da virtude, e que a emoção, bem direcionada, pode elevar a alma tanto quanto a razão.
Talvez, no fundo, entre um e outro, esteja o equilíbrio que ainda buscamos:
um povo formado não apenas pela razão e pela disciplina, mas também pela sensibilidade, pelo afeto e pela liberdade de criar.
Mas liberdade de criar o quê?
Essa é a pergunta que se impõe. Porque não basta apenas garantir meios e espaços — é preciso também cultivar consciência sobre o que desejamos criar para nós mesmos enquanto sociedade. Que sons queremos escutar e transmitir? Que valores queremos embutir nas melodias que nos embalam? Ou seja, naquilo que construímos? Que imagens de futuro desejamos compor por meio da arte que produzimos e consumimos?
No fim das contas, a música que escolhemos alimentar também nos revela.
E talvez seja por isso que Platão e Aristóteles ainda nos escutam, lá do passado, perguntando:
que tipo de cidadãos queremos formar?
A escolha está em nossas mãos.
Hora de celebrar!
A Sala Cecília Meireles, um ícone da música e da cultura brasileira, dá início à sua temporada comemorativa de 60 anos de existência no dia 11 de abril de 2025, às 19h. O concerto que marca a abertura da Temporada 2025 da Sala reviverá o programa do concerto inaugural do espaço, contendo as Bachianas nº 5, de Heitor Villa-Lobos e o Concerto nº 2 para piano, de Johannes Brahms, por exemplo.
Para tal, foi convidada a OPES, Orquestra Petrobrás Sinfônica, sob a regência de Isaac Karabtchevsky, que receberá o soprano Rosana Lamosa e o pianista Luiz Guilherme Pozzi. Linda homenagem à história e memória deste espaço cultural fundamental para o Rio de Janeiro e para o país.
Concerto imperdível
Data: 11 de abril de 2025, 19h
Com reprise no sábado, dia 12, às 17h
Local: Sala Cecília Meireles, Rua da Lapa, 47 - Lapa, Rio de Janeiro
