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Carnaval 365 dias tem suas alegrias e também tristezas …

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Carnaval 365 dias tem suas alegrias e também tristezas...



No último dia 11, perdemos a querida amiga, professora, carnavalesca e jurada do Estandarte de Ouro, Maria Augusta.


Uma grande tristeza para familiares e amigos. Insubstituível para o Carnaval e para a cultura popular, é uma perda representativa no nosso QG.


Me surpreendo refletindo como demoramos tanto para reconhecer mulheres artistas carnavalescas maravilhosas, que fizeram revoluções no Carnaval e se destacaram num segmento ainda com pouca participação feminina em cargos de liderança artística.


E como, como se combinadas, saíram de cena juntas, no intervalo de apenas 12 meses:

Rosa Magalhães (25/07/2024), Márcia Lage (19/01/2025) e agora, Maria Augusta.


Conversando com o querido amigo Marcelo Pires, Diretor Cultural do Salgueiro e amigo próximo de Maria Augusta, fiquei sem piscar, atenta aos seus relatos e experiências com a carnavalesca — autora de enredos cujos sambas fazem sucesso até hoje, nas quadras das Escolas de Samba, rodas de pagode e festas de família e amigos.


Continuando a refletir, resolvi transcrever o depoimento de Marcelo para que vocês possam conhecer um pouco mais sobre Maria Augusta:


“Minha relação com Maria Augusta começou quando eu ainda era muito jovem, mas já atento ao que acontecia na Marquês de Sapucaí. Era 1978, e a União da Ilha do Governador encantava a avenida com o antológico “O Amanhã”. Eu estava na arquibancada e, sem saber, presenciava um dos desfiles que mais moldariam minha paixão pelo Carnaval. A leveza, a beleza e a poesia daquele enredo ficaram gravadas na minha memória. Foi assim que conheci, mesmo à distância, a força criativa de Maria Augusta.


Naquele tempo, meu aprendizado sobre os desfiles vinha dos debates do Estandarte de Ouro, das transmissões da televisão e dos comentários dos grandes nomes do Carnaval.


Eu era espectador e aprendiz, fascinado por aquelas pessoas que, como Augusta, eram capazes de transformar ideias em cortejos inesquecíveis. Anos mais tarde, a vida me presenteou com a possibilidade de não apenas conhecer Maria Augusta, mas de me aproximar dela, dividir conversas, afetos e admiração mútua. E isso aconteceu no Salgueiro.


Foi no Salgueiro que Maria Augusta deu os primeiros passos como figura central do Carnaval. Ela teve participação fundamental na criação do enredo de 1971, “Festa para um Rei Negro”, de Zuzuca — um marco do samba-enredo brasileiro. Seu olhar apurado e sua inteligência narrativa ajudaram a costurar aquele espetáculo, que permanece até hoje no imaginário dos sambistas. A relação dela com a escola foi intensa e criativa, alimentada por sua profunda conexão com o universo afro-brasileiro, com o corpo em movimento, com a teatralidade e a música como elementos centrais do desfile.


Mas a história de Augusta com o Carnaval não começa na avenida: começa na fazenda, no interior do Norte Fluminense. Cercada pela cultura popular, pelas festas do interior, pelos saberes simples e profundos do povo da roça, ela já ali desenvolvia uma sensibilidade rara. Ainda menina, foi enviada para um colégio interno, e ali aprendeu a esperar com ansiedade pela chegada dos domingos — os únicos dias em que a liberdade, mesmo que breve, lhe era concedida. Talvez tenha sido ali que nasceu sua paixão pela alegria, pela festa e por tudo que representa libertação. Augusta sempre teve um olhar voltado para o desconhecido, para o simbólico, para o espiritual — uma inquietude que atravessou toda sua trajetória.


Depois do Salgueiro, ela se destacou com força na União da Ilha do Governador. Durante os anos em que esteve à frente da escola, ajudou a moldar a cara leve, lúdica e inventiva que se tornou marca registrada da agremiação. Foi Augusta quem construiu, com poesia e engenhosidade, enredos como “Domingo”, “É a sorte!”, “Vamos falar de amor” e “Alegria”. Cada um desses títulos é também um manifesto de sua alma: otimista, vanguardista, colorida e sensível. Ela acreditava na emoção como condutora do desfile e na comunicação direta com o povo, sem abrir mão da inteligência e da beleza.


Na Beija-Flor e na Tuiuti, também deixou sua marca. E, claro, antes de tudo isso, havia passado pela Escola de Belas Artes, onde foi discípula de Fernando Pamplona e colega de grandes nomes da cenografia carnavalesca. Augusta conhecia profundamente a estética do Carnaval. Arlindo Rodrigues, mestre absoluto do período, a escolheu como sua principal assistente. Ela era quem passava o nanquim final nos desenhos dele — e fazia isso de memória, porque conhecia os traços de Arlindo como quem conhece uma partitura. Seu domínio técnico era tão grande quanto sua intuição estética.


Fico imaginando como teria sido o rumo do Carnaval se, em 1977, sua revolução de cores, proposta no desfile da Ilha, tivesse sido aclamada campeã no lugar do luxo opulento apresentado por Joãozinho Trinta na Beija-Flor. Talvez a história das Escolas de Samba tivesse seguido outro caminho — mais alegre, mais popular, mais solar.


Maria Augusta era presença em todos os eventos. Ia a feijoadas, rodas de samba, lançamentos de sinopses. Guardava acervos com o cuidado de uma historiadora apaixonada. Nunca se esquivou de tomar posições. Tinha coragem, voz ativa e convicções firmes. Estava sempre ali — vivendo o Carnaval como parte da vida, não como evento pontual.


No último Carnaval, foi feliz. Estava radiante, presente, inteira. Sorriu, abraçou, caminhou entre as escolas como se já soubesse que aquele seria seu grande adeus. E que adeus bonito. Maria Augusta partiu como viveu: cercada de cores, de música, de gente.


Com alegria. Com alma. Com amor.


E é assim que ela seguirá entre nós — como um enredo inesquecível, daqueles que não saem da cabeça nem do coração.”


Marcelo Pires.

Aplausos para Maria Augusta


Célia Domingues,

eterna aluna e admiradora

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