
Carnaval 365 Dias !
- Turismo News
- 14 de jun.
- 4 min de leitura
Olá, o carnaval é 365 dias!
Como sempre falei, o carnaval é um importante instrumento de transformação,
inclusão, resgate e oportunidades; e venho aqui confirmar isso, com destaque
para uma mulher que admiro muito e que tem uma história incrível de desafios,
superação e vitórias — sempre firme e de cabeça erguida.
Conversando sobre ela com a querida e competente Laiza Bastos — dançarina,
pesquisadora e outra maravilhosa operária do carnaval — pensamos juntas em
fazer a apresentação da recém-eleita Vice-Presidente do Grêmio Recreativo
Escola de Samba Portela:
Nilce Fran.
A menina então se tornou mulher, e não uma mulher qualquer — uma mulher
profissional do samba. Uma passista show cuja arte exige muito mais do que
talento: exige corpo político, resistência diária, inteligência emocional, força
ancestral e, acima de tudo, brilho próprio. Um brilho que não se apaga com os
holofotes da avenida, mas que se mantém aceso no cotidiano de lutas e
conquistas. Foi essa luz que a levou a conhecer o mundo. Com cada carimbo no
passaporte, cada palco internacional que pisava, um novo tijolo era assentado em
seu castelo de realizações. O samba de Nilce cruzou fronteiras, levando com ele
um pedaço de sua comunidade e da história do povo preto brasileiro.
Essa vasta experiência, adquirida nos palcos e nas passarelas, se transformou
em missão. Nilce se tornou coordenadora de passistas, lugar de liderança onde
exerceu, com afeto e firmeza, o papel de mestra. Lapidou talentos, empoderou
outras mulheres, semeou a autoestima em corposhistoricamente marginalizados. Mostrou a muitas que seu lugar é onde quiserem
estar: no centro da avenida, no topo do carro alegórico, no alto comando da
escola. E o batuque que antes guiava apenas seus pés, passou a pulsar também
nos corações de outras, abrindo caminhos e fortalecendo raízes.
Mas Nilce não parou na dança. O mesmo compasso que embalava seus passos
a levou a voos ainda maiores. Seu caminho a levou à presidência da Escola de
Samba Rosa de Ouro, uma agremiação situada no coração do bairro de Oswaldo
Cruz, um território de importância histórica e afetiva para ela, para o samba e para
a cultura afro-brasileira. Ali, ela mostrou que herdou de seu pai não apenas a
ligação com aquela escola, mas também a capacidade de liderança, a sabedoria
e a força de uma mulher negra que sabe onde pisa e para onde quer levar seu
povo.
Seu nome e sua trajetória de liderança, porém, não poderiam ficar restritos a uma
única escola. O destino a conduziu a um lugar ainda mais simbólico: a Portela.
Escola que carrega nas asas da águia altaneira mais de cem anos de tradição,
resistência e glória. Nascida em Oswaldo Cruz e firmada em Madureira, a Portela
é mais do que uma escola de samba — é um monumento à cultura afro-brasileira,
um território de memória viva e de luta contínua. Hoje, Nilce ocupa o cargo de
vice-presidente da Portela, e essa posição, por si só, carrega um sentido profundo
e transformador. Sua presença ali é a consagração de uma vida dedicada ao
samba, à arte e à comunidade.
Nilce é fênix. Em uma sociedade que tantas vezes tenta apagar a chama das
mulheres negras, ela ressurgiu das cinzas, mais de uma vez, com dignidade,
coragem e altivez. Como a própria Portela, que, mesmo após os períodos mais
difíceis, se reergue com garra e altivez, Nilce traz no peito o dom da reinvenção.
Sua história é um espelho onde tantas outras mulheres negras do Carnaval se
reconhecem. Mulheres que, mesmo invisibilizadas pelos holofotes da grande
mídia, continuam, dia após dia, levantando comunidades, sustentando culturas,
educando novas gerações e construindo futuro com sabedoria, generosidade e,
sobretudo, com afeto.Ela é ponte entre o passado e o porvir. Representa as tias do samba, as baianas,
as mães de terreiro, as costureiras do barracão, as meninas que dançam
descalças no quintal. Representa também as novas gerações, as jovens que hoje
sonham com um lugar de fala e de poder no universo do samba. Nilce não apenas
ocupa um espaço: ela transforma o espaço que ocupa. Onde está, planta
dignidade. Por onde passa, deixa rastro de grandeza.
A águia e a fênix se encontram no símbolo que ela representa: mulher, negra,
sambista e líder. Uma força que não se curva diante dos obstáculos, que não
aceita silenciamento e que, ao contrário, se impõe com elegância e firmeza. Sua
presença no alto comando da Portela é uma vitória coletiva. É sinal de que o tempo
das mulheres negras chegou. É agora, e não tem volta. Como um enredo bem
escrito, como uma bateria bem afinada, como um desfile impecável que emociona
e arrebata, Nilce Fran é síntese de beleza e poder.
No giro do samba, no compasso da luta, Nilce Fran permanece de pé. De pés
firmes no chão de seu quilombo, de olhos voltados para o céu onde voa a águia,
ela guiará a Portela, com sabedoria, coragem e amor ao lado do seu presidente
Júnior Escafura – outro grande apaixonado pela águia. Sua caminhada é feita de
batuque e poesia, de suor e sonho, de luta e axé. E sua história, assim como o
samba, é eterna. Porque onde há samba de verdade, há mulher negra e onde há
mulher negra em posição de liderança, há futuro, há justiça e há transformação.
Todo o sucesso ao presidente Junior Escafura e sua equipe.
Salve Nilce Fran!
Por Célia Domingues e Laiza Bastos